Críticas

RECENSÃO de Rui Lagartinho – Jornal Expresso – Revista- Culturas

17 de Março 2023

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A RECENSÃO DE YVETTE CENTENO

W.B.YEATS , Onde Vão Morrer os Poetas (Relógio D’Água, 2022)

http://literaturaearte.blogspot.com/

W.B. Yeats por Cristina Carvalho

 A capa da edição, com a foto do poeta, faz-me pensar que a moda vai e volta, e é o caso da franja, ou da melena que lhe cai na testa, como hoje em dia se vê em muitos jovens. Dá um ar sedutor, que evoca bem a sedução deste poeta aqui apresentado, muito na primeira pessoa, o que nos ajuda a entender melhor a vida e os percursos que se transformam em sentimentos. O sentimento da natureza, o amor do mar, ou da montanha, essa identificação mágica é muito bem transmitida nesta quase biografia, em que se salienta a matriz céltica de uma Irlanda sempre presente, por vezes só na memória.

Quando o livro foi anunciado, lembrei-me logo do volume que tinha visto na biblioteca do armário pequeno de Fernando Pessoa, em casa da sua meia-irmã, Dona Henriqueta Rosa Dias. Os livros desse armário seriam para mim tão interessantes, pelo conteúdo, como os papéis da Arca. Ali Pessoa tinha Yeats, Whitman, Joyce, testemunho da sua curiosidade pelo mundo moderno, a par dos volumes sobre matéria oculta, matéria que também foram objecto, como lemos em Cristina Carvalho, do poeta que biografou assimilando-o como um quase alter-ego que se tivesse apossado dela, como nos diz na Introdução. É esse um dos poderes dos poetas, tomar conta das almas dos outros e rasgar nelas horizontes novos, inesperados até.

Coerente com o que se conhece desta autora, a epígrafe que escolhe, de Stefan Zweig:”sempre que o espaço se alarga, a alma abre-se”(da obra sobre Montaigne). E na verdade, eu que a leio há bastante tempo, como li outrora o pai, Professor e Poeta, é isso que verifico: ela viaja, ela busca horizontes, ela escolhe obras e autores, ou cria as suas, e em tudo o que faz lemos e vivemos com ela espaços que se alargam, e desse modo vão abrindo as nossas almas. E eis-me então aqui com um poeta que por coincidência (ou seria algum momento  de magia celta? ) nasce a 13 de Junho, como Pessoa, embora uns anos mais cedo, 1865.

O imaginário celta que a autora nos descreve, “feito de seres inacreditáveis” dos que vivem nas grutas e nas florestas, que são fantasmas, gnomos, fadas, bruxas, o estudo da astrologia (Pessoa, estarás também aí, mais tarde, fascinado com ele? ), a alusão ao falar com vivos e com mortos (ser medium) mais uma aproximação?

 Yeats começa com o estilo romântico e simbolista dos tempos, e depois evolui para uma modernidade avançada, que lhe dará o direito a um Nobel em 1923. Na verdade, por toda a Europa os anos 20 faziam o seu caminho de revolução nas artes, poesia, música, pintura, e um criador seguia esse caminho, Yeats sendo um deles.

Cristina realça o seu permanente amor da natureza, mas não esquece algo que também foi moda dos tempos, – e se descobre em Pessoa – “a paixão pelo ocultismo, pelo espiritualismo, a mística e a astrologia. Estudei a fundo todos estes assuntos e complementei sempre a minha vida com as ciências ocultas” (pag.29)

Talvez aqui nos seja lançada a ideia de uma tese que aproxime estes dois grandes criadores, apesar das suas diferenças. Também as diferenças são merecedoras de estudo…

À medida que avançamos na nossa leitura torna-se mais clara a intenção que a autora já dera a entender na Introdução: não faria uma narrativa densa e complexa, mas escolheria momentos em que o poeta melhor se revelasse ( como quando alude à  sua melena, que lhe cai sobre uma parte da testa e o torna mais bonito, vaidade que não o perturba, é vaidoso, e que mal tem? ). A nossa leitura prossegue pelas páginas em que já se situou a importância da relação com a família, o amor dos estranhos livros que estuda e da consciência que esse mundo alargado lhe confere e nem todos ou mesmo ninguém à sua volta entende, e sem dar por isso, porque é leve, directo e agradável o modo escolhido pela narradora, estamos a meio. É uma das grandes qualidades de Cristina Carvalho, da sua escrita, não tem, não precisa, de arrebiques que compliquem para dar um colorido de falsa erudição. Gosto de ler quem escreve assim, e quando acaba, acaba. Sem complexos.

Não cabe num post tudo o que se pode dizer sobre um livro que deve ser objecto à parte de estudo mais aprofundado.

 Mas de novo, porque leio em regra até ao fim, antes de escrever, aprendo com Cristina Carvalho (com ela podemos sempre ter essa surpresa de aprender) que o poeta foi um iniciado da Ordem da Golden Dawn, fundada por Israel Regardie, MacGregor Mathers, Aleister Crowley (iniciado em Paris em 1900) que Pessoa conheceu bem, e alcançou o Grau de Grão-Mestre, o que o leva a sentir-se muito feliz, como afirma (pag.83).

Tal como em Pessoa, que estudei bem, Yeats mereceria agora que sobre ele fosse feito um estudo cuidado dos reflexos no seu pensamento e na sua obra, no meio de uma Inglaterra onde a teosofia, pela mão de Madame Blavatsky, que Pessoa traduziu, imperava. O ocultismo, lá como aqui, seduzia os espíritos, havia aquele impulso de saber mais, abrir o desconhecido, alargar a alma e os sentidos. Sabemos que Oscar Wilde não apreciava nem a poesia nem os estados de alma do meio que frequentava e não terá apreciado Yeats. Mas esse fica para outro momento.

Cristina alude ainda à paixão não correspondida que o poeta viveu durante longos anos, à actividade ligada ao teatro, e a pormenores da sua vida e casamento tardio, com Ezra Pound como Padrinho. 

Mas na verdade a sua vida foi a sua poesia e é para ela que o livro de Cristina nos empurra, num conselho final. Sigamos o conselho… 

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CRÍTICA A “DER KATER AUS UPPSALA” – “O GATO DE UPPSALA” – SAÍDA NO JORNAL LEIPZIGER ZEITUNG EM 21 DE JUNHO 2021

https://www.l-iz.de/bildung/buecher/2021/06/der-kater-aus-uppsala-wenn-eine-portugiesin-eine-geschichte-aus-dem-vasa-schweden-von-1628-erzaehlt-396987

(…)

Nenhum de nós vive mais em harmonia com a natureza. Visto desta forma, é uma dupla história de saudade que Carvalho aqui conta. Aquele em que não há apenas a alegria de contar histórias imaginativas, mas também a antiga proximidade das pessoas com a natureza viva, quando o medo e a admiração pelas florestas profundas também continham respeito pelas criaturas que nelas viviam. Você ainda sabia sobre sua dependência e era, portanto, reverente para com o mundo ao seu redor.

Visto desta forma, porém, o “Vasa”, cujo primeiro passeio fez com que as pessoas da história de Carvalho fizessem uma peregrinação a Estocolmo, é também um símbolo – também da ruptura com a natureza e da arrogância humana que desrespeita as leis da natureza. (…)

Aqui o navio torna-se símbolo de um novo tempo, uma partida para novos horizontes, em alto mar, que aos olhos dos dois errantes ainda está repleto de lendas e maravilhas, tão grandes e infinitas que só podem ver a vida em um navio. Pode pintar como um conto de fadas.

Já no final da sua história, Cristina Carvalho conta que nem mesmo foi o caso do recém-concluído “Vasa”, após descrever o choque que apanhou os espectadores na margem quando o navio se afundou à sua frente. Simplesmente não conta a história da maneira que os média tablóides de hoje contariam, com ideias completamente erradas sobre drama e dramaturgia.

Porque não é assim que as coisas acontecem na vida da maioria das pessoas. Freqüentemente, o espanto não se instala até muito, muito mais tarde, quando eles realmente entendem o que experimentaram. (…)

Essa mudança por si só sugere que a maioria das coisas que os correspondentes dos tablóides estão tentando nos vender como importantes e sensacionais não cumprem realmente o papel que os criadores de sensação lhes atribuem. Para os amantes da história militar, o “Vasa” pode ser uma sensação. Mas para os pobres canalhas que foram contratados como marinheiros e soldados, provavelmente não foi.

Como regra, eles têm que pagar pelo que os estrategistas e designers megalomanos inventaram.

(…) Cristina Carvalho articula um pouco do espanto há muito esquecido de como novas pessoas podem entrar em nossas vidas e de repente tornar-se parte de nossa própria história (…) Mas isso não é proibido em tais narrativas. Pelo contrário.

É o direito original das pessoas comuns, que absolutamente não participam das sensações usuais, de adicionar um toque de lendária a suas vidas, uma pequena reviravolta que dá a tudo uma saída ou entrada de conto de fadas, onde o companheiros sem palavras em nosso Lado também podem desempenhar seu papel. (…)

O que há muito se tornou uma virtude rara, porque a maioria de nós nem mesmo sabe o quão único é o que experimentamos.

Já no final da sua história, Cristina Carvalho conta que nem mesmo foi o caso do recém-concluído “Vasa”, após descrever o choque que apanhou os espectadores na margem quando o navio se afundou à sua frente. Simplesmente não conta a história da maneira que os média tablóide de hoje contariam, com suas ideias completamente erradas sobre drama e dramaturgia.

Porque não é assim que as coisas acontecem na vida da maioria das pessoas. (…)”

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SOBRE STRINDBERG – apreciação da Prof. Helena Trindade Lopes

A leitura  e a apreciação da Prof. Dra. Helena Trindade Lopes – Professora Catedrática na FCSH da UNL – sobre este meu recente livro “STRINDBERG – Neste Mundo Fui apenas Um Convidado” publicado por Relógio D’Água em Novembro 2021.

“Também há pessoas boas” (p. 36), era isto que August Strindberg diria, sem dúvida, ao ler o singular romance biográfico de Cristina Carvalho.

Escrever sobre um autor cujo nome – em princípio – a maioria das pessoas letradas já ouviu falar, mas nunca leu, era um risco tremendo que a autora decidiu correr. 

August Strindberg, ao contrário de Bergman, por exemplo, que a minha geração, e outras depois de mim, ainda conheceram bem, pertence a um passado bastante longínquo (1849-1912). Os filmes de Bergman ainda pertencem a este tempo em que todos nos movemos. Conhecê-los era absolutamente obrigatório. Mas Strindberg é outra coisa. Strindberg é como Ibsen, a gente letrada reconhece o nome e a eventual relevância, mas pouco mais…

Não fiquem chocados. Acham que muita gente leu mesmo Shakespeare ou Cervantes? Não, conhecem os nomes e sabem que a “intelligentsia” os considera como os maiores entre os maiores, mas nada mais… Como diria August “Um bom pontapé em vocês todos é o que desejo”(p. 249). Ele sabia, ele sabia verdadeiramente, infelizmente!

Hoje partilharei convosco uma indiscrição. Julgo que a autora não se zangará. Quando Cristina Carvalho anunciou que estava a escrever uma nova obra sobre um sueco, eu enviei-lhe uma mensagem privada, dizendo que só podia ser Strindberg… E eu pouco conhecia de Strindberg, mas aquilo que lera deixara-me “sem respiração e sem voz” coisa que habitualmente só me acontece com uma escritora, Duras.

Nos anos 70, eu devorara “Gente de Hemsö” a edição que a Europa-América publicara e que me deixou uma impressão fortíssima. “Gente de Hemsö” contém as palavras mais belas da minha vida” (p. 23). Depois, só em 2015, é que li uma segunda obra, “O Salão Vermelho”, publicado pela E-Primatur, onde o génio criador e inovador de Strindberg se afirmara completamente. A arte de expressar em palavras os comportamentos, as atitudes, trejeitos e ardis do ser humano ganharam, nesta obra, uma dimensão absolutamente única e original.

Entre a primeira e a segunda leitura não me esqueci deste autor e, por isso, quando em Maio de 2009, o Teatro Nacional D. Maria II, levou à cena uma das mais conhecidas “peças de teatro” de Strindberg, “A menina Júlia” eu lá fui, arrebatada, assistir a uma magnífica encenação de Rui Mendes, apoiada em extraordinários actores, como Beatriz Batarda, Albano Jerónimo e Isabel Abreu…

Foi mais uma noite memorável e Strindberg foi consolidando a sua presença na minha cabeça povoada já por tantas e tão variadas personagens, que me salvam da mediocridade desta vida. Cada um encontra o seu caminho, não é, August?

Recordo-me ainda que, recentemente, pesquisei a sua pintura, mas esta não me impressionou. Apesar de ele ter privado com Munch e com Gaugin, estes não conseguiram transmitir-lhe o “dom” da cor ou do traço. Não, o seu “ofício” eram as palavras… “Ele sabe que se tiver um papel, um caderno à sua frente, o seu primeiro impulso é escrever qualquer coisa. Ele sabe e precisa daquela sensação única que lhe traz o poder de uma única palavra escrita, bem aplicada. Ele sabe que atrás dessa palavra virá uma correnteza delas a trazer-lhe a felicidade absoluta naquele momento”(p. 67).

Olho a tua bela cabeça, August! Chegou o dia da nossa despedida. Eu voltarei a isolar-me e tu partes, de novo, sempre, mais uma vez, correndo, andando, sorvendo… “Tento fugir de tudo e de todos sempre que me é possível. Fujo de mim mesmo, claro. Viajo, desapareço e já faço isto há muitos anos” (p. 50). […] “Para um escritor como eu, um poeta, dramaturgo, romancista, historiador, são importantes as caminhadas pelo mundo, sair do ovo, explorar, sorver, admirar” (p. 77).

Não foram fáceis estes dias contigo, August. Figuras como tu ficam bem no cinema e na literatura, mas são excessivas na vida quotidiana dos seres comuns. “Sim, sei que sou um espírito difícil, um espírito sem destino e sem local certo ou fixo onde me possa abandonar sem deixar um rasto de inquietação. Sempre fui assim…”(p. 193).

Subverteste completamente os meus dias e as minhas noites. Acordavas-me abruptamente, porque te tinhas lembrado duma palavra importante, de um gesto, de uma impressão. E quando eu estava pronta a mergulhar nos teus êxtases e a discutir as tuas evidências, tu viravas costas e partias. Não o fazias por desdém, quero acreditar, nem por maldade, mas a velocidade do teu pensamento era impossível de acompanhar… Muitas vezes, dei comigo a perguntar-me como conseguira a Cristina tocar-te  e chegar a ti daquela forma?

Para além da escrita, pouca coisa te importava verdadeiramente. Importava-te não seres “nem apreciado, nem compreendido” (p. 68). Isso sim, e essa dor perseguiu-te até à morte. “Perseguem-me. Todos me perseguem. E eu não tenho meios para me defender por palavras. Faltam-me as palavras no momento certo, na ocasião em que as devia proferir, entalam-se-me na garganta, as palavras, como grandes pedras. Não consigo falar. Só escrever” (p. 123).

Não suportavas a hipocrisia da sociedade em que nasceste. “ Nesta altura da minha vida e ainda tão novo, tudo e todos contribuíram para o meu isolamento e afastamento social” (p. 144), transformando-me “… num ser estranho e fugidio” (p. 144).

Para te libertares, de ti próprio e dos outros, mergulhavas constantemente no álcool e nas drogas. “Não sinto felicidade nenhuma e a pouca que encontro vem do álcool, isso eu sei!” (p. 228). “O vinho tem sido o meu amparo, sem ele a vida teria sido muito mais negra do que é. ” (p. 238) […] A aflição de estar vivo foi sempre imensa.  A dúvida da existência,  terrível. Claro que o vinho me acalmava, temperava a fome dos desejos. O vinho conseguiu fazer com que dos meus próprios escombros vislumbrasse sempre um fio de luz” (p. 238).

Sentiste sempre que não foste nem amado, nem apreciado. Primeiro pela tua mãe e pelo teu pai, depois pelos teus amigos (?) e pela sociedade sueca, que não te deu o Nobel… Mas a verdade é que todos aqueles que contigo privaram e que não souberam atingir o teu génio, a tua raridade e as razões da tua profunda tristeza, não permaneceram na história. Ninguém se lembra deles ou dos seus nomes e tu, meu amigo, como tu próprio anunciaste: “Mais de cem anos depois da minha morte, continuo a ser considerado um dos mais importantes escritores da história da literatura, ainda que muito mais de metade da minha obra não seja conhecida” (p. 248) […] “Podem não conhecer nada, mas o meu nome, esse já devem ter ouvido falar…” (p. 249).

“Um bom pontapé em vocês todos é o que desejo” (p. 249). E eu também, meu companheiro de tantos crepúsculos, eu também!

Para a Cristina Carvalho, que tem um dom raro de restituir à vida personagens já ausentes deste palco em que nos movemos (ainda), jamais terei palavras – à semelhança de August – para agradecer duas coisas: a forma sublime como devolveu a vida a Strindberg e por o ter feito.

Esta foi uma suprema prova de amor!

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No blogue LITERATURA E ARTE – http://www.literaturaearte.blogspot.com

A recensão de Yvette Centeno a “ALMANAQUE DO CÉU E DA TERRA” em 22 Dezembro 2020

Cristina Carvalho, de quem já falei no meu blog, e que terá em breve outro livro seu, já com várias edições, a ser editado na Alemanha, na Leipziger Literatur Verlag, dá-nos agora uma prenda de Natal em bela edição, como esta da Relógio d’Água. Ao gosto dos Almanaques de outrora (será que têm resistido?) como o Borda d’Água que eu comprava sempre, num almanaque fala-se de tudo um pouco, dos astros, das colheitas, do que é ou não o momento propício para semear, dos dias fastos e dos nefastos, conforme. De uma escritora de mão feita, que tem na ascendência mãe escritora, pai duplamente dotado, poeta como António Gedeão e Professor como Rómulo de Carvalho, cujos livros o meu pai me comprava, para a minha cultura geral, e com quem o meu marido aprendeu as leis da física, no liceu de Coimbra – a Cristina, estava eu a dizer,  cresceu com eles numa casa de cultura e de amor ao saber  e ao sabor dos livros. Teve a sorte que os de hoje não têm, alimentados a extractos e não a livros inteiros e íntegros, poetas de pacotilha em vez de poesia grande, que na Revolução de Abril também deixou a sua marca.

Quem deseje deliciar-se neste Natal de pandemia com uma prosa elegante, de leitura simples, como deve ser e atraente por ser simples, não ficará desiludido. Entre o céu e a terra, são muitos os momentos de agradável enlevo, de uma escrita que não se impõe com propósitos de pedagogia sobranceira, forçada, nada disso. Uma escrita que se entrega, e a que se adere pelo prazer das imagens, que podemos guardar na memória, para mais tarde, ou, gostando de ler em voz alta, para os outros ou mesmo para nós, balançar no ritmo que as frases guardam enquanto correm, ali não há cacofonias, não há tropeções, todo o discurso obedece a uma ordem interna que sustenta uma narrativa que é prosa (mas quase diria vestida de poesia).

O olhar de Cristina para o céu e a terra, neste livro, não tem a pretensão de ser o que não é. É o seu olhar, a dado momento, a distrair-se para nos distrair também, pelo meio com uma ou outra informação, como no Borda d’Água.

O livro é escrito com a sua mão livre, e o pensamento mais livre ainda. Previne: não se procure ciência, mas prazer, o êxtase de ser, entre a terra e o céu, entre as nuvens e os mares,  criaturas que vivem num planeta que não será eterno, mas que tem na existência momentos de fulgôr que nos interpelam e aos quais respondemos, cada qual à sua maneira, até que chegue a hora de sermos a tal poeira cósmica, o pó de ouro de que se alimentam os astros e os deuses.

Em que nos pode ajudar um livro escrito assim? Em avançar no gosto da leitura, com a tal curiosidade de que falam filósofos e cientistas: sem curiosidade nada somos.

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  • No jornal Expresso – 25 Abril 2020

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  • * * * * * 5 estrelas para INGMAR BERGMAN, O Caminho Contra o Vento
  • A crítica de Miguel Troncão no jornal O Observador – 8 Fevereiro 2020

https://observador.pt/2020/02/08/cristina-carvalho-e-o-seu-possivel-bergman/

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A recensão de Yvette Centeno a “INGMAR BERGMAN, O CAMINHO CONTRA O VENTO” publicada no blogue Literatura e Arte – www-literaturaearte.blogspot.com  em 5 Dezembro 2019

O livro de Cristina Carvalho sobre  Ingmar Bergman é para ler devagar, sobretudo por quem conheça a imensa filmografia deste génio. Não é como os anteriores romances biográficos que já fez, sobretudo aqueles em que entra pelas páginas dentro como voz directa do biografado. Assume a sua voz, anuncia-se como sendo ele mesmo a tomar a palavra, a fazer a confissão de amores, escolhas e maldições. Contudo quem conhece a sua filmografia sente que ali nada destoa: a infância torturada, o ódio a um pai, Cónego Protestante, que não hesitava em deixar os filhos de castigo a  pão e água, a bater-lhes e até chicoteá-los, se possível fosse.”O meu querido pai era uma besta…

          Para nós, miúdos, era uma besta desumana e estúpida, digo eu já muito longe e sem conseguir vê-lo. Com a minha mãe também tinha comportamentos idiotas. Fazia-a chorar ou choramingar quase todos os dias…Ou porque a casa não estava arrumada como devia estar, ou porque os miúdos, nós, éramos muito mal educados, ou porque o pão estava frio, ou por isto ou por aquilo…Ela sofria bastante com aquela figura irascível e rígida”.

          A descrição da tirania continua: de repente todos à mesa, à espera de jantar, a sopa quente e o pai desata primeiro a ver as orelhas de cada um, se estavam limpas. E não ficava por aqui, no medo que incutia às crianças: que os ciganos as roubavam, ou compravam para o circo, e quem gostaria de ser o primeiro”.

“O meu pai era padre.Parecia-me quase impossível ele ser tão bonito e tão mau”.

Assim surgem as primeiras memórias, de um princípio de vida que não parecia auspicioso, para um futuro génio como Bergman. Mas ele saiu de casa aos 19 anos, para fazer teatro, daí para o cinema, e só agora tudo isto, aos 85 anos, na sua ilha fechada, lhe ocorre contar. Já tinha feito os filmes por onde toda a sua vida, ou o seu pensamento interpelador do Bem e do Mal tinham passado. A difícil, mesmo impossível relação de amor entre os seres, filhos e pais. Bergman, um pensador do incomunicável, excepto num ou noutro caso. Mas até no milagre da Fonte daVirgem, DEUS parece esconder-se, assiste sem interferir ao sacrifício brutal, antes que nasça a fonte…

Só a velhice permite, como ele diz, regressar tão profundamente a um passado longínquo, que devia estar completamente afundado na treva da memória. Porque foi infeliz, frequentemente, entre os intervalos da casa da sua avó, as filmagens que corriam a seu gosto, o enorme prazer de comer bolachas Maria todo o tempo. Sofria do estômago, um mal que atribuía ao pavor das maldades do pai. E as bolachas eram um lenitivo.

Pessoas como eu, a chegar à velhice, como ele chegou, serão mais sensíveis a estas outras páginas que Cristina dá a ler. Contudo, sendo ambos criadores, de verdades e ficções, o que será que melhor me vai atrair, ou desafiar para ir ampliando a minha própria narrativa (pois tendo visto todos os seus filmes, e lido alguns excertos dos seus diários em inglês) que fios me vão conduzir por aqui, no sentido de entender melhor a sua obra, aprofundar a complexidade de um pensamento ao mesmo tempo tão crítico e tão sensível à Beleza e às situações em que se expõe?

Conta como sempre foi independente de espírito, nunca gostava que lhe dessem ordens ou fizessem reparos. Com o pai já tinha sofrido demais…e agora gozava plenamente do seu direito de ser, diferente, e não puro espelho de outros. Professores que não seguia, e sem eles aprendeu tudo o que lhe fazia falta para a sua arte do cinema:”luzes, câmaras, fotografia,  sistemas de sons, etc.” Para que depressa e sem outras opiniões, quando lhe surgia uma ideia, poder rapidamente pô-la em prática. Assim, nessa pressa, nasceram os seus guiões. Um artista completo, e reconhecido como tal.

Mas dá-se, na narrativa, agora um  salto para a velhice:

“Agora sinto a velhice. Conheço pessoas assim, a sentir a velhice. Enfim um tanto amalucadas. Vestem-se como se tivessem menos cinquenta anos, querem saltitar, mas são ridículas; pretendem poder comer de tudo e vão dizendo que nada lhes faz mal, mas é tudo mentira: os seus velhos  órgãos vitais já não respondem, não são os mesmos, estão mirrados, os seus sonos  são curtos e cheios de pesadelos. Eu sou velho e sinto a velhice a pisar, a calcar, a tentar esmagar-me, mas ainda não me dei por vencido. (…) E o pior de tudo é a ideia da morte, essa ideia instalada em mim há tanto tempo e que agora acorda e passa todo o dia comigo”.

Evoca então, depois de se comover com essa ideia, a morte que se aproxima, a casa da sua avó. E nesse espaço, que agora parece de magia, o seu crescimento de jovem adolescente, a natureza à volta, a água, os barcos, os peixes, um mundo que o vento leva consigo, enquanto ele, ainda vivo caminha contra o vento.

Escrevi algures ( e muito do que Cristina me dá a qui a ler, por via de um Bergman que foi de paixão, no meu tempo ) que o vento é o Pensamento.

Imagem que bebi numa gravura alquímica de Michal Maier, o médico e hermetista do século XVII, que conviveu com todos os grandes do seu tempo.

 Na verdade, ver os filmes de Bergman (sou eu a falar) é ver um pensamento em movimento, o tal vento que o leva.

E é pena que se limitasse apenas a jogar o Xadrez da morte, em vez de antecipar, com o seu olhar severo, o que viria a ser o xadrez do envelhecimento.

Mas surge finalmente nas páginas em que se ocupa precisamente do envelhecer, pela mão de Cristina Carvalho.

Envelhecer é muito aborrecido, dá trabalho. Colide com as rotinas antigas, obriga a rotinas novas, como esta, aparentemente tão simples mas tão irritante de acordar cedo e não poder ficar na cama, porque “ se começa com pensamentos sinistros a propósito de tudo e de nada”.

Outrora, quando se era mais novo, o pensamento era ideia criadora, novo argumento, novo guião, novo filme. Agora podendo gozar de um tempo imenso, o tempo todo, prefere não falar de si, nem da sua obra, nem desta sua velhice, com ninguém, nem sequer com o seu melhor amigo ainda vivo, Erland Josephson, cinco anos mais novo.

“ Sabe-me bem o paladar do silêncio”.

Com um mundo envelhecido, sobretudo na Europa, que deixou de ter filhos, não me espanta que um Hermann Hesse escreva os seus ensaios sobre a arte de envelhecer, ou o Cardeal Ratzinger as suas meditações sobre a morte.

Mas Bergman, o criador da imagem, não propriamente da meditação sobre ela, que aqui nos é descrito, também tem os seus momentos: “ Assim aguardo a minha morte, entretido a construir um caos organizado, a expulsar da minha alma todos os monstros que lá abriguei por tantos e tantos anos”.

E adiante, pela mão de Cristina, cuja escrita esmerada não se perde em floreados:

“Aqui há tempos, numa entrevista, perguntavam-me se eu tinha ou não tinha medo de morrer. (…) Disse-lhe que não tinha medo nenhum e, por outro lado, sentia muita curiosidade e pensava poder ser até, uma situação interessante. (…) Acredito, na verdade, numa outra vida, sempre acreditei.É impossível? Como saber? Quem sabe? Ninguém.(…) Sempre considerei essa situação da morte como uma passagem para um qualquer outro estágio”.

Sendo o universo tão vasto, por que razão há-de ser a morte uma aniquilação total em vez de uma dispersão, como folhas ao vento, uma explosão de energia, a que a alma continha aprisionada num corpo, numa matéria densa, despida já de si mesma?

 Bergman volta à questão do Envelhecimento, já a caminho do fim do livro ( e tal como eu, que escrevo desde 2013 para combater, sem mais, esse envelhecimento e os seus cruéis tropeços) pede que lhe perdoem, se já disse o que vai dizer. “Volto a falar”. E para dizer o que já dissera, que não o assusta. Não tem medo, o que tem é saudades:

“Sinto saudades, é isso. E sentir saudades, isso sim, é um sentimento terrível (…) sinto saudades de ontem, de hoje, sinto saudades de amanhã”.

Foram sentimentos destes, deste género, sentimentos e verdades desgraçadas, impositivas, que tentei transmitir em toda a minha obra cinematográfica”.

Saudades de amanhã. Para mim tem uma leitura simples, ou simplista, se quiserem apreciar menos do que eu o que ele diz: deseja que o amanhã traga consigo não o temor da morte, adiada, mas o sorriso feliz de um presente que continua actuante enquanto a hora não chega.

 Afirma que não há salvação (da morte? ) para ninguém. Mas não é preciso invocá-la, basta sentir o vento suave no rosto, se acaso se foi à janela, ou se se ficou deitado na cama mais tempo do que o habitual, o sopro leve chegará na mesma, à hora certa, levando para um Longe infinito (seria esse o nome de um Deus real, numa outra esfera? ) a etérea substância do corpo que já se abandonou.

Não falarei da imensa lista de mulheres amadas, das situações de prazer ou de dôr, de separação, de reencontro, o leitor poderá seguir até ao fim os pormenores de uma vida que Cristina Carvalho visitou como deve ser, antes de ficcionar: ou seja, com o respeito e o cuidado que toda a vida, mesmo a dos génios mais difíceis, nos merece.

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A SAGA DE SELMA LAGERLÖF – publicado por Relógio D’Água em Outubro 2018

RECENSÕES

Dia 5 Janeiro 2019 no jornal Expresso – 4 estrelas . A recensão é de Rui Lagartinho

7 de Fevereiro 2019 – na revista SÁBADO, sobre o meu livro “A SAGA DE SELMA LAGERLÖF” o crítico literário Eduardo Pitta faz a recensão – 4 estrelas

Selma by Cristina

Recensão de Eduardo Pitta no seu blogue DA LITERATURA

http://daliteratura.blogspot.com/2019/02/cristina-carvalho.html

RECENSÃO NO BLOGUE ACRÍTICO – por António Ganhão

https://acriticoblog.wordpress.com/2019/02/18/a-saga-de-selma-lagerlof-cristina-carvalho/?fbclid=IwAR0cTewBKLOA7rKyp4BlVU8ipWsvEVJGnQDowBaGvvpx9QzLNv5mttUZ63k

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“REBELDIA” NO JL (Jornal de Letras) – por MIGUEL REAL

Com exceção de “Lusco-Fusco” (2012), “Nocturno, o romance de Chopin” (2009) e o “O Olhar e a Alma, romance de Modigliani” (2015) os contos e romances de Cristina Carvalho, (CC) têm sido substancialmente atravessados pelo tema clássico da inferioridade social da mulher bem como de uma correspondente revolta feminina. Como já aqui escrevemos no JL, CC não é uma escritora feminista, mas uma escritora onde o universo feminino (sensibilidade, estatuto social, casamento…) ganha uma posição relevante. “Rebeldia”, ora publicado, prolonga este tema na sua obra, por via da exploração a par-e-passo da vida de Leninha, personagem principal. Com efeito, de esperança em esperança até à derrota final, poderia constituir-se como a frase-resumo do romance.

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**** 4 estrelas do jornalista Rui Lagartinho para REBELDIA no jornal Expresso – 12 Agosto 2017

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A recensão de Paulo Mendes Pinto na VISÃO on line – Agosto 2017

http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2017-08-08-Rebeldia-de-Cristina-Carvalho

Li o livro de um trago, como quem não consegue parar. E essa leitura rápida não aconteceu apenas porque o livro é bem escrito, elegante, atractivo. Não, o que mais me marcou na leitura foi a forma de trazer para uma dimensão de excepcionalidade a verdadeira normalidade de, nas palavras da Cristina, uma “vidinha”

Uma das únicas formas de a famosa silly season não nos transformar em apáticos e dormentes seres -mais que o já costumeiro- encontra-se na leitura de um grupito de livros que nos acompanha durante o Verão. São eles uma das âncoras medicinais contra a pasmaceira em que cai o país, esperando que a famosa rentrée política nos traga algum debate e consistência de ideias. Enfim, mais não é que uma reacção instintiva de resgate a que nos damos quando, finalmente, temos um tempito para carregar baterias mais consistentemente nesse néctar que nos possibilitará suportarmo-nos um pouco mais, seguindo a ideia aliciante de Nietzsche.

Fez obviamente parte do meu plano de leituras desta época a Rebeldia de Cristina Carvalho, apresentado no dia 22 de Junho. Como a autora apresenta no seu website, trata-se de um romance “em que Leninha nos conta a sua história. Uma mulher nascida na província que se rebela desde que tem memória contra tudo aquilo que é imposto: a família, a estreiteza dos espaços e das vidinhas pequeno-burguesas, as pequeninas e grandes hipocrisias que massacram com perfume barato a pocilga em que, afinal, todos chafurdam” (https://cristinacarvalho.org/).

Li o livro de um trago, como quem não consegue parar. E essa leitura rápida não aconteceu apenas porque o livro é bem escrito, elegante, atractivo. Não, o que mais me marcou na leitura foi a forma de trazer para uma dimensão de excepcionalidade a verdadeira normalidade de, nas palavras da Cristina, uma “vidinha”.

Leninha, a personagem que nos deixa acompanhar a sua história desalentada de vida, mais não é que toda uma sociedade. A falta de horizontes, a falta de vida, a falta de anseios e de projectos, a falta de excitação, de desejo e de compensação. Leninha tem tudo para ser materialmente feliz, mas vive numa letargia de infelicidade, de incompletude que lhe massacra o quotidiano, sempre igual, sempre sem sabor, sempre a passar ao lado do que interessa.

Mas também é sempre igual a vontade de rebeldia. Uma vontade que, no fundo, é sempre adiada. A vida de Leninha é uma constante tensão entre a normalidade que não se compreende e a vontade de tomar a vida nas mãos, de a decidir, de fazer na primeira pessoa. Mas não, tal como toda uma geração tão marcada por um regime que buscava uma normatividade mental, com uma moral e um bom-senso muito bem definidos em torno da família, também Leninha está irremediavelmente votada para um ver passar os barcos no Tejo.

É um romance de fluir do tempo, com o que essa dimensão tem de mais dramático: a irreversibilidade. Constroem-se vidas, alicerçam-se famílias, gerem-se os projectos que somos cada um nos seus desejos e frustrações. Se Leninha não tivesse entrado naquela pensão de alterne na Ajuda e lá não tivesse passado uma noite, quantas decisões teriam sido diferentes? Possivelmente, nenhuma. Mas passar uma noite, a última antes de ir ter com o futuro marido, naquele espaço, foi a vontade de beber um cálice que não se chegou a vazar. Tal como foi a fuga de casa que terminou ao final do dia, ou, ou, ou….

Talvez numa identificação ainda mais geracional, a minha sogra devorou avidamente o livro, mesmo antes de mim. Mal cheguei da sessão de apresentação da obra, nessa noite, começou a leitura, que terminou no dia seguinte.

É uma história muito marcante de mulheres em mudança de função social e mental. Já não se é a rapariguinha enquadrada num “ancien regime”, campestre e com os valores da ruralidade. É-se, agora, um ser indefinido entre as memórias e os traumas desse mesmo campo perdido, e não mais desejado, mas também um cosmopolitismo de aldeia, de bairro, de ruralidade sem agricultura.

Leninha é um emaranhado de vozes do nosso tempo. De vozes sem capacidade de tempo e sem tempo, mesmo. De vozes que só se levantarão no fim da história para carpir o tempo perdido, a rebeldia nunca tida, a coragem desencontrada. Vidas que o sentido parece ter sido um hiato entre o nascer e o morrer.

Paulo Mendes Pinto

PAULO MENDES PINTO

CIÊNCIA DAS RELIGIÕES

Coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. Embaixador do Parlamento Mundial das Religiões e fundador da European Academy of Religions. É especializado em História das Religiões Antigas (mitologia e literaturas comparadas), mas dedica parte dos seus trabalhos a questões relacionadas com a relação entre o Estado e as religiões. Na área da Ciência das Religiões, é o responsável por diversos projectos de investigação, especialmente na relação entre as Religiões e a escola, assim como no desenvolvimento de uma cultura sobre as religiões como componente de cidadania. É ainda investigador da Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveniste» da Universidade de Lisboa. É Membro do Conselho Consultivo da Associação de Professores de História. É director da Revista Lusófona de Ciência das Religiões. Recebeu a Medalha de Ouro de Mérito Académico da Un. Lusófona em 2013.

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Sobre REBELDIA (Planeta, 2017)

http://daliteratura.blogspot.pt/2017/08/cristina-carvalho.html

**** estrelas de Eduardo Pitta

Hoje na Sábado escrevo sobre Rebeldia, o romance mais recente de Cristina Carvalho (n. 1949), no qual a autora recria o universo de um certo Portugal, nos anos 1950. O detonador da intriga é o desejo de emancipação da protagonista e narradora, alguém que tem um olhar muito crítico sobre o atavismo da sociedade à sua volta. Da modesta pensão de Coimbra, gerida pelos pais, à casa da madrinha, em Lisboa, persiste o desdém por gentes e costumes: «Cavalheiros e mastronças que a única coisa que desejavam era casar as filhas de véu e grinalda, tudo branco e, claro, verdadeiramente virgens.» Ao contrário da vontade da narradora, adepta confessa de «uma valente foda». Em obras anteriores, a autora tem dissecado todo o tipo de comportamentos, dos mais convencionais aos de índole esotérica, mas tem-no feito quase sempre sem recurso ao jargão rude da coloquialidade. Nesse aspecto, Rebeldia marca um ponto de viragem. São recorrentes frases como, «O miúdo masturbava-se e nós fodíamos à noite…» A violência verbal manifesta-se mesmo nas mais prosaicas reflexões sobre a vida portuguesa durante os anos ominosos do Estado Novo. O fio da história é linear. A narradora descreve um casamento frustrado com a tinta forte do realismo sem filtro. O desprendimento familiar é de rigueur. Em compensação, sobreleva um peculiar ‘apego’ aos porcos chafurdando nas pocilgas. Os odores do chiqueiro, tão apreciados pela narradora, arrastam consigo uma forte carga sexual. Leninha tem 24 anos quando desembarca em Santa Apolónia. «Vou ser médica. Está resolvido!», dissera aos pais atónitos. Em Lisboa vai morar para a Ajuda, zona da cidade que não seria o nirvana, mas uma ida à Baixa não altera o estado de espírito: «Umas ruas atrás das outras, prédios escuros, lojas de panos, alfaiates e pastelarias.» A heterodoxia não conhecia limites. Chegou a pensar que invejava «a sorte e o destino das putas da Calçada da Memória.» Mal por mal… Os anos passam, Leninha casa com um homem que desaparece de vez em quando, a vida conjugal roça a abjecção, o filho é um estorvo. A linguagem crua é um dos traços distintivos do romance. Veja-se, logo no primeiro capítulo, o relato da urinação de pé, colada aos arbustos de um muro. Quatro estrelas. Publicou a Planeta.

A crítica de YVETTE CENTENO no blogue Literatura e Artes

Thursday, June 15, 2017

Rebeldias

 
Disse noutro post que há uma linhagem de mulheres escritoras a que se devia dar atenção, em altura de prémios, e também do Prémio Camões, considerado o maior.
Não que à partida se deva proceder por critérios de paridade – só por si já seria ofensivo – mas simplesmente de qualidade literária e originalidade.
Cristina Carvalho tem uma produção regular que atesta da sua íntima ligação à escrita, talvez porque tem no ADN os genes de uma Natália Nunes e de um António Gedeão.
É romancista, é biógrafa, escreve para adultos e para jovens numa prosa cujo estilo se reconhece pela marca (rara entre nós) da simplicidade directa, e não hesita em aceitar um desafio como o que a levou a escrever sobre os animais da Tapada de Mafra, com fotografias de Nanã Sousa Dias. Um ano a andar de noite à descoberta do que podia ser interessante para o seu leitor.
Cristina Carvalho tem essa disponibilidade generosa de dar atenção ao leitor, e reconhece a importância de dar a conhecer, aceitando uma agenda de convites das Escolas, que por vezes adivinhamos que possa ser carregada, num ou noutro momento da sua vida. Tem esta marca, também genética, de Rómulo de Carvalho, seu pai, o professor ilustre e muito amado por muitos que se escondia sob o pseudónimo de António Gedeão.
Cristina escreve, e pela escrita divulga, fala com os mais velhos ou com os mais novos, dá a conhecer o livro, a leitura, a descoberta do prazer da palavra. Cristina tem o seu mundo aberto à condição da palavra: mas que não seja hermética, que se diga por ela o que se tem a dizer, de forma quanto mais simples melhor. Nela a palavra é descrição, mas acima de tudo comunicação: de alguma ideia, sentimento, emoção…mas que se entenda.
Nas suas páginas o português que lemos é mais do que escorreito, é perfeito no domínio do vocabulário utilizado. A mão parece rápida, mas é mão cuidadosa, que detalha, e a narrativa torna-se intensa, e quando necessário, por vezes até brutal.
Há rebeldia, na sua escrita, há a liberdade que só os rebeldes assumem, nos temas, nas situações em que as personagens se envolvem e no vocabulário usado, coloquial sem que deixe de ser o que é: literatura. Escreve para ser lida, e ser lida regularmente, adivinhando nós que a seguir a um livro publicado outro estará já na sua ideia. Também aqui uma forma de rebeldia. Quem desejasse sossego, dela não o espere: está viva e está presente. É esta a sua forma de criar, sempre em desassossego, um pouco ao modo de Pessoa. Ao ler este seu romance, Rebeldia, publicado agora, nas ed. Planeta, depois de ter recebido em 2016 o Prémio Autores/RTP pelo romance de Modigliani, fico a pensar quem seriam os autores que ela escolheria para antepassados literários: Camilo, mais do que Eça; dos neo-realistas ( de cuja prosa e atmosfera social encontro ecos) Alves Redol, um dos Mestres; Maria Velho da Costa, entre as portuguesas das célebres Cartas. Teria de lhe fazer uma entrevista: o que leu, o que mais gosta de ler, até ao dia de hoje. Ou o que relê, quando não lê…
Tudo o que lemos deixa marcas. Por vezes encontro frescos balzaquianos, na descrição das situações, das personagens, casas, janelas, jardins, vielas mais escuras onde o perigo espreita. Escreve, quem escreve por entrega, o que se vive e guarda na memória das sensações. Não é por acaso que Proust evoca o cheiro da “petite madeleine” e a partir dessa sensação
viaja pelas memórias do seu tempo de outrora, que a sensação arrasta.
Cristina deixa também ela a sua marca nas memórias recuperadas ou ficcionadas ao longo dos seus escritos. Em vez de afirmar “viajar, perder países”, diremos de Cristina : viajar, ganhar países, os conhecidos, ou os da alma, sempre por desvendar.
Não foge a temas complexos, com o argumento de que são temas da moda. Vira-os do avesso, lança-os à nossa cara. Há ímpetos de violência no processo. Mas haveria rebeldia possível, sem algum momento de violência, mais ou menos cruel? Aborda a arte e alguns dos seus mais eminentes criadores, como Chopin, ou Modigliani. E como nos diz neste seu novo livro “desenha pessoas”. Desenha-as como escritora, observando “o interior dos cérebros, os pensamentos, as idiossincracias, manias, hábitos, sentimentos. É isto que eu desenho” afirma.
Tem a reacção de um analista, e a pulsação que a leva a desenhar, seja em esboço mais rápido ou  com o cuidado de um retratista fiel, é o que dá outro impulso à escrita, e à leitura.
Uma última palavra:
Cristina é presença frequente, desejada e divertida, no facebook. Conversadora nata. Dialoga e tem gosto nisso. Comunicar, a sério ou a brincar é com ela.
Mas não nos iludamos: há uma seriedade muito severa e atenta à circunstância do outro, dos outros, na sua obra. E de si própria.
De vez em quando sentimos, ao lê-la, neste livro, que pode não haver mais vida, pode não haver perdão.

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Sobre AS FABULOSAS HISTÓRIAS DA TAPADA DE MAFRA

http://www.sabado.pt/gps/detalhe/critica_de_livros_as_fabulosas_historias_da_tapada_de_mafra.html

http://www.ericeiramag.pt/leituras-adn-3/

Texto: Filipa Teles Carvalho | Fotografia: DR

Livros recentemente dados à estampa, com a Ericeira e Mafra dentro. Para conhecer, saborear ou oferecer. Porque ler é poder e, também, um enorme prazer.

O sabor da História, o cheiro da urze e o mistério de uma floresta encantada aqui tão perto, com este nosso ADN.

«…Um livro de leitura indispensável para quem queira conhecer (e perceber) a importância da Tapada de Mafra.» – Eduardo Pitta

«É como se estivéssemos a entrar num local de culto, num santuário misterioso, frio e quente, escuro e claro, algures onde o imprevisto pode sempre acontecer (…) É chão de terra macia, debruado por árvores enormes com cabeleiras de verde, com corpos de troncos muito fortes, de braços abertos e amplos, sempre prontos a abraçar (…) Deveremos manter o silêncio para não perturbar a densidade da floresta e toda a sua vida. O respeito será sentido.»

Escrever que «As fabulosas histórias da Tapada de Mafra» é um livro-guia para bem conhecer o local não é faltar à verdade. Na obra apresentam-se factos e trilhos desta floresta encantada, tão perto da cidade. Conta-se sobre vizinhança imponente e rica em História – o Convento –, entre outras molduras que nos transportam do quotidiano dos reis ao nosso, sem faltar ao rigor de elementos importantes para entender estas geografias.

Mas a obra é muito mais do que essa mão que nos leva, do que esse possível “roteiro”. O livro contém a essência da Tapada que a autora captou e sentiu. Para o escrever, Cristina Carvalho passou ali muitas horas, muitos dias e muitas noites sem dormir. A escutar, a apurar os sentidos, a conhecer habitantes, a medir daquela terra a pulsação. A conhecer a Tapada de Mafra.

O resultado é um livro onde sabemos das árvores e muitos seres que ali reinam e nos encontramos com visões e cheiros, numa escrita onde está bem vivo o pensamento, mas também o poético e o onírico. Há espaço para o divertido, para as perguntas e respostas e também, muito, para o assombro.

«Sim! Sentiremos a rotação da Terra, é verdade! Sentimos a Terra a girar como gira o nosso pensamento.

Mas para que isso aconteça é preciso encontrar a tal floresta, a tal árvore, a tal noite, a tal paz.»

Entramos em territórios onde não só o real se festeja mas também o imaginário segue connosco e a Literatura acontece entre folhas de papel, as palavras e o rumor da folhagem.

Encontramos também o bulício mais mundano de quem vai, da família que se decide por uma visita à Tapada, programando piqueniques especiais.

Por entre a incrível variedade de seres, animais e vegetais que nos são apresentados estão a javalina Fifi, com pestanudos olhos cor de laranja que imediatamente nos conquistam, «o velho lobo de Mafra, o caçador da noite», Elvis, o bufo-real, e lemos ainda sobre «a voz do veado ou do gamo. A brama.».

É uma obra sem idade, como acontece com os bons livros, que pode ser saboreada em família, na solene noite da Tapada ou na solidão que se deseja acompanhada de um livro em qualquer lugar; sempre que se queira voar numa floresta entre páginas que podem mesmo parecer folhas a restolhar.

«(…) A floresta é densa, todas as cores existem aqui. O coração palpita quando a floresta exige, quando a floresta ordena.».

Cristina Carvalho nasceu num mês de Novembro, em Lisboa, mas escolheu a zona Oeste para viver há já vários anos.
Publicou 14 livros, muitos deles incluídos no Plano Nacional de Leitura.
Entre as suas obras mais conhecidas encontram-se «O Gato de Upsala», «Ana de Londres», «O Olhar e a Alma, romance de Modigliani» (Prémio Autores 2016), «Até Já Não É Adeus» – uma reedição recente daquele que foi o seu primeiro livro, em 1989, agora dado à estampa pela editora Relógio D’Água.
Foi ainda publicando contos em várias revistas e jornais.

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Teresa Carvalho escreveu este texto sobre a minha literatura, em 2016, texto este que veio a ser publicado no livro O Casino das Letras (Glaciar)

CRISTINA CARVALHO

«A escrita, tal como outras formas de arte, é uma espécie de antibiótico que nos liberta de algumas bactérias, umas mais nocivas do que outras, é certo, mas todas são parte do mundo infeccionado de cada um.»

Voz inscrita, de pleno direito, no concerto da ficção portuguesa contemporânea, Cristina Carvalho (n. Lisboa, 1949), que publicou o seu primeiro livro em 1989 – Até Já não é Adeus – é autora de uma obra de incontestável poder de sedução que tem vindo a ser construída naquela fronteira arriscada entre as linhas da prosa e o ímpeto lírico. Marcada pela tematização do feminino, atravessa-a uma linha deceptiva que contende com o mundo de que são feitos os sonhos.
Insubmissa, avessa a reverências, Cristina Carvalho, escritora expansiva e secreta a um só tempo, não nasceu para condescender com a lógica social dominante do Portugal pacato e amodorrado que a viu crescer. E disso mesmo nos falaria o conto-novela Ana de Londres (2013), título inicialmente publicado, em versão reduzida, na colectânea de contos da sua estreia literária, Momentos Misericordiosos (1992) ou ainda Estranhos Casos de Amor (2003), todos percorridos pela rebeldia e pelo mundo da revolução dos sentimentos. E também não nasceu a autora de O Olhar e a Alma, romance distinguido com o Prémio SPA/RTP para o melhor livro de ficção narrativa publicado em 2015, para emoldurar histórias em frisos dourados. Nem para ir na vaga palavrosamente trivial do muito que se publica hoje em dia, não fosse a autora avessa a excrescências expressivas e a visões de superfície que fazem da literatura mais um produto de uma cultura tendencialmente pobre.
Os traços que compõem o seu retrato de ficcionista são conhecidos: olhar vivo, perspicaz, intenso, tão atento aos movimentos mais íntimos do mundo interior, como à detida contemplação do mundo exterior, como comprovaria uma leitura do romance A Casa das Auroras, que nos convida a entrar na esfera do assombro, ou Lusco-fusco, ambos publicados em 2011; um olhar que, a um tempo, ensombra e ilumina. Nariz torcido a tudo quanto possa ser redutor da liberdade humana. Mãos hábeis, seguras a mover os cordelinhos de uma escrita firme e envolvente que dissolve, deliberada e conscientemente, a típica harmonia da estrutura narrativa. Uma escrita que tanto se revela cadenciada e medida como dominada por pulsões que lhe imprimem acelerados ritmos, que não recua diante das fronteiras do fantástico e cuja ilusão de transparência requer especiais cuidados de leitura.
Desde a publicação do seu primeiro romance, O Gato de Uppsala (2009), um volume que logo colheu aplausos que têm vindo a prolongar-se nas suas sucessivas reedições, que, de título em título, acolhemos os livros de Cristina Carvalho com expectativa, esperando que o seu modo romanesco nos surpreenda, nos envolva e nos confirme aquelas que parecem ser as forças centrais da sua escrita: fulgor imaginativo, poder de efabulação, ora tentado pelo fantástico, ora assumindo uma feição realista, força cósmica, qualidade sinestésica, a fazer pulsar diversificadamente os sentidos.
Baseado na vida de Amedeo Modigliani, o mítico pintor italiano cuja obra é considerada uma das mais importantes do século XX, O Olhar e a Alma – romance de Modigliani, não desilude, bem ao contrário. O título, de deliberada ambiguidade, à semelhança do que sucedera já com Nocturno: o romance de Chopin (2009), aponta para a correlação íntima entre a temática do romance e a perspectivação narrativa. Nele reconhecemos, na diferença de um novo cenário (a Paris de luzes e de sombras) a mesma virtude criadora, a mesma intensidade emocional, avessa a derrames patéticos, a mesma capacidade de tocar na vida e na sua intrínseca precariedade, a mesma tensão entre o instinto e a razão, a relação entre o tempo em que vivemos e a eternidade para que aponta a verdadeira obra de arte.
Cristina Carvalho, uma das autoras mais fielmente presentes nas listas do Plano Nacional de Leitura, gostaria de ter sido piloto; o ar dos tempos, pouco favorável ao voo dos sonhos, inviabilizou os seus planos. Procedesse a autora de Marginal (2013) aos comandos de um avião como procede nos livros e seria o descalabro. Dominados por uma escrita avassaladora, não raro progredindo à revelia de um traçado, de uma rota, abrindo horizontes sempre surpreendentes, os seus livros precipitam-nos por vezes num brusco desenlace. Afundam-nos e levantam-nos: eis o que se espera de um bom escritor.
Em evidência fica a sua condição de passageira ao definir-se como «transitório ser humano do sexo feminino, habitante do planeta Terra e, por acaso, escritora». E ficou-lhe o gosto pela temática da viagem, logo indiciada em alguns dos títulos que compõem a sua obra, como Ana de Londres ou Quatro Cantos do Mundo (com ilustrações de Manuel Sam-Payo), uma homenagem a quatro dos principais e históricos exploradores do planeta Terra: Roald Amundsen, David Attenbourough, Jacques-Yves Cousteau e David Livingstone.
Cristina Carvalho, que alia o exercício da escrita a uma constante intervenção como oradora, em encontros e colóquios, em escolas e bibliotecas, onde desenvolve acções de incentivo à leitura, publicou também a biografia de seu pai, Rómulo de Carvalho /António Gedeão – Príncipe Perfeito.

Teresa Carvalho

é

licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1997) e mestre, com a tese que aqui publica (2006). Como domínios de investigação, tem privilegiado a Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea, de matriz clássica, e a Literatura na sua relação com as Artes. Investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, da mesma Faculdade, tem vários artigos publicados em revistas da especialidade e prepara atualmente o doutoramento na especialidade de Poética e Hermenêutica.

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4 ESTRELAS para “O OLHAR E A ALMA, romance de Modigliani” na Time Out – Lisboa – Setembro 2015 – por Rui Lagartinho

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4 ESTRELAS para “O OLHAR E A ALMA, romance de Modigliani” no Expresso – Agosto 2015 – por Luisa Mellid-Franco

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JL em Julho 2015 – Artigo de Mário de Carvalho sobre “O OLHAR E A ALMA, romance de Modigliani”

JL de 22 Julho de 2015

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Sobre “Quatro Cantos do Mundo”  em Livros com RUM – Rádio Universitária do Minho

http://podcast.rum.pt/uploads/Leitura/Leitura_em_Dia-2014-06-18.mp3

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Sobre “QUATRO CANTOS DO MUNDO”

http://literaturaearte.blogspot.pt/2014/06/cristina-carvalho-quatro-cantos-do.html

http://literaturaearte.blogspot.pt/2014/06/escrever-para-juventude-ainda-os-contos.html?spref=fb

http://acriticoblog.wordpress.com/2014/06/13/quatro-cantos-do-mundo-cristina-carvalho/

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Sobre “ANA DE LONDRES”

http://www.ruadebaixo.com/ana-de-londres-cristina-carvalho-16-10-2013.html

http://adasartesleituras.blogspot.pt/2013/09/ana-de-londres.html

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Sobre “MARGINAL”

Blog de Yvette Centeno – Literatura e Arte

http://literaturaearte.blogspot.pt/search?q=marginal,+cristina+carvalho

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Sobre “Rómulo de Carvalho/António Gedeão – Biografia”

Blog de Yvette Centeno – Literatura e Arte

http://literaturaearte.blogspot.pt/search?q=r%C3%B3mulo+de+carvalho/ant%C3%B3nio+gede%C3%A3o+biografia

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Sobre “A CASA DAS AURORAS” – crítica de Maria Alzira Seixo em JL  (Jornal de Letras, 2012)

Cristina Carvalho, A Casa das Auroras,Planeta, 2011

Esta narrativa envolvente de Cristina Carvalho destaca-se da ficção comum. Encara de modo intrigante a figura feminina, polarizando-a na consideração da morte. Que, como evento, se postula indirectamente enquanto simples desaparecer, admitindo reaparições fortuitas integradas no quotidiano vivido, sensíveis a outrem ou não. E várias figuras se reunem, convivendo numa certa casa, à noite, como farão fantasmas em assombração, cada mulher contando a sua parte de existência efectiva. Algumas com nostalgia, outras com gosto e até enlevo, todas com aprumo e, dir-se-ia, prazer de viver. Ter vivido. Quem goste de fantasmas tem aqui material, e esoterismo também. Fico-me pela literatura, que o texto dá e sobra para o apreço da arte da escrita. Que liga admiravelmente o prosaico, obsceno e até promíscuo, à inefabilidade de anseios e fantasias. Em mescla de modos cujo virtuosismo se alia à pensada aliança do diverso.

Livro sobre a morte e a mulher, refigura a quebra da existência mundanal em simples episódio de percurso (por vezes viagem, de temática cuja diversidade é estruturante), como um Auto da Alma em que anjo e demónio se dão bem, até cooperam no êxito dos vários percursos. Mas de moral sem tutelas, guiada pela volição subjectiva que a contingência só defronta. E com a fala que é sua, modo de existir central, em monólogo ou diálogo, reportado ou não. De facto, o acto de locução iguala em valor o perfomativo (e este também falado, na enunciação), e as falas, atitudes e personagens combinam, no essencial, a rede de significação do texto. Cada mulher tonaliza um capítulo: sem assumir a divisão formal, com partes que só os títulos separam, criando-se, pois, uma indiferenciação de ‘estado’ nessas diferenças contadas de vida havida. Todas convergem no desaparecimento nocturno, que é nosso início e conclusão da leitura, em indeciso explicit: que não explica nem acaba nada, segundo o «até ver» reiterado do início, a cruzar sentidos, e se intitula com o belo alexandrino «Embora a noite seja sempre uma certeza».

Ler é, aqui, participar na «aurora» da sobrevivência. Fantasmas, então? O seu folclore é pouco alusivo: barulhos, bruscas mutações atmosféricas, objectos estranhos (o frasco das cantáridas), bizarras silhuetas. E o texto dá-se como hino à vida, actuação feminina pujante, enjeitando o viver rotineiro. Mas as personagens são bem referenciais, bem quotidianas, embora tresloucadas… De outro mundo. E a estrutura externa cuidada vem logo das designações de capítulo: nominais, de alternância bimembre-unimembre, excepto na conclusão, com o tal alexandrino, a cruzar vida e poética do devaneio. Com ideais que são às vezes pesadelos queridos, pois o sonho, detonador da acção, abunda em crueza, conduta instintiva ou calculada, mesclado de certa ingenuidade de viver, no que ajuda a acção campesina. Uma jornalista aí surge, a investigar a Casa da qual se fala, absorvida pelas vagas da noite alvorecente. Vai lá, e fica absorta, tomada de encanto e de muitos tipos de assombro. Como nós.

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Expresso, caderno Atual de 23 de Julho 2011, por Luisa Mellid-Franco
 
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Por MARIA JOÃO CANTINHO

De Cristina Carvalho, a autora, sabemos pouco. Uma das razões desta discreta presença na literatura portuguesa deve-se ao facto de a própria escritora considerar que a obra deve falar por si e que a vida do autor deve dar, antes, lugar à voz da sua obra. Cristina Carvalho começou a publicar em 1989, com o título Até já não é Adeus. Publicou alguns títulos espaçadamente e retornou em força, no ano de 2009, com dois livros de sucesso: O Gato de Uppsala e Nocturno: O Romance de Chopin, ambos pela editora Sextante, a qual nos tem vindo a garantir imensa qualidade nas suas edições.

Surge agora, em 2011, com esta obra, A Casa das Auroras. Um objecto surpreendente, poderei mesmo chamar-lhe, de alguma forma, inclassificável, pois oscila entre vários registos narrativos. É aí que a autora concentra toda a originalidade da sua nova obra, transformando-a num híbrido, do ponto de vista narrativo. Não é romance, mas também não é conto, ou é, antes, ambas as coisas e ao mesmo tempo. Trata-se de uma opção arriscada, a de fazer oscilar a estrutura narrativa tradicional. Mas é, também, uma forma de encantar, de seduzir o leitor, através dos mecanismos lúdicos da escrita. E o manancial de Cristina Carvalho é vasto. Uma escrita viva e ágil, escorreita, a capacidade (hoje rara) de bem contar uma história, transportando a imaginação do leitor através dos meandros quase labirínticos até ao desvendar final (furto-me a pormenores, para não destruir o interesse), o sentido de humor subtil e permanente.

Trata-se de procurar seguir a história de Bela, a mulher desaparecida. O rastro de Bela conduzir-nos-á até a uma estranha casa, A casa das Auroras. E desde as primeiras páginas, a autora faz-nos cair, como ela própria, num espaço onírico. Situada num lugarejo isolado, Quintas, a casa das auroras é uma abertura simbólica para uma outra dimensão, extra-mundana. Os fósseis marinhos colam-se às suas paredes, desde sempre esteve aqui o mar, a força telúrica e cósmica, daí que, encostando-se o ouvido aos muros, podemos ouvir o chamamento do mar.  O mote está dado, logo na abertura do livro, com a convocação de uma escrita que alterna o poético e o coloquial, com o próprio chamamento de uma dimensão cósmica que arrasta vertiginosamente o leitor. Essa dimensão onírica da obra é outro dos riscos que a autora corre, numa permanente desinstalação do olhar do leitor, mas é uma das grandes qualidades da sua escrita. Em Portugal, não é hábito fazê-lo e o conto fantástico é visto de forma suspeita (basta lembrarmo-nos do caso de Ana Teresa Pereira). Porém, na escrita de Cristina Carvalho, essa contaminação entre o real/onírico/simbólico é incontornável e é simultaneamente um exemplo feliz (relembremos  o Gato de Uppsala). Feliz porque abre fissuras na narrativa e nos conduz a uma dimensão mais plena da literatura (que faríamos de Rulfo e de Borges?).

Desde as primeiras páginas do livro, entramos numa atmosfera onírica que faz saltar a dimensão do tempo linear, pois essa casa, o centro da história, é a mais antiga do lugar. E é visitada apenas por mulheres, fantasmas, sete mulheres sempre diferentes, que partilham segredos. A metáfora, para além da sua evidência, no sentido em que protagoniza o mistério feminino e o elege à condição de fonte de sabedoria, estende-se para além de si, convoca um saber milenar, que já não cabe no tempo profano, o tempo quotidiano, marcado pelo ritmo vertiginoso dos dias e no qual não há transmissão oral das narrativas. O tempo da narrativa clássica – o desenrolar do acontecimento – desfaz-se (metaforizado na imagem da protagonista que sente abater-se sobre si o peso da noite, enquanto espera as mulheres que virão), para dar lugar a uma outra dimensão da narrativa, que escapa ao tempo dos relógios. Essas mulheres não têm corporeidade, a não ser na ilusão (será?) da noite, os vestígios que nos chegam delas são as vozes. Vozes intemporais, eternas. Que contam as suas próprias histórias.

A partir daqui, abre-se a estrutura narrativa desta obra, povoada por vozes, presenças surreais (e também reais), personagens duvidosas, umas mais que outras, atravessadas por um olhar descarnado que não hesita em mostrar-nos os vícios de uma sociedade hipócrita. Personagens que se metamorfoseiam, nesse jogo de espelhos com que nos brinda Cristina Carvalho, desde o princípio ao fim. Nada é o que parece e somos fustigados pela surpresa constante e bem conseguida. A mão hábil da sua escrita conduz-nos com deleite, neste jogo de máscaras, até ao final verdadeiramente surpreendente. E mais não digo, para não estragar o prazer do leitor, uma vez chegados a esse lugar de Quintas, povoado por “mulheres, noite e segredos.”

Maria João Cantinho

Em PNET LITERATURA – Crónicas

*** 

Joaquim Gonçalves, no blog A Das Artes

http://adasartesleituras.blogspot.com/2011/05/casa-das-auroras.html

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